Os primeiros registros da chegada do crack em São Paulo surgiram em 1989, quando foram identificados os pioneiros no consumo da droga. De lá para cá, muita coisa mudou: a cidade elegeu cinco prefeitos, a pedra foi modificada quimicamente, o consumo cresceu e uma legião de dependentes se formou. O que não mudou foi o ponto de tráfico e consumo. No bairro da Luz, centro da capital paulista, a região conhecida como Cracolândia reúne diariamente centenas de pessoas de todos os níveis sociais que compram e utilizam a droga quase livremente. A presença da polícia na região parece não incomodar os usuários. A cada abordagem dos PMs, os grupos se dispersam - para, em seguida, voltar e continuar tragar seus charutos improvisados.
A partir desta quinta-feira, o Terra inicia uma série de reportagens sobre os impactos causados pelo crack nos últimos 20 anos. Para discutir formas de reduzir ou acabar o tráfico e a dependência da droga, foram ouvidas autoridades públicas, médicos, usuários, pesquisadores, comerciantes e policiais. A série de reportagens será acompanhada de um ensaio fotográfico feito pelo repórter Reinaldo Marques, que passou uma noite na região para registrar o cotidiano dos usuários.
A droga passou a ser produzida na própria cidade de São Paulo, em pequenos laboratórios improvisados. Dois fatores pesaram essencialmente a sua difusão. O crack torna a pessoa mais dependente, o que resulta em um consumo maior. Vendida em pequenas pedras, é mais lucrativa que a cocaína.
Para o vício do crack atingir o índice atual, os traficantes montaram uma "estratégia de mercado" no início dos anos 90, conforme explica o pesquisador Lúcio Garcia de Oliveira, que defendeu tese de doutorado sobre o assunto na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). "No início dos anos 90, a droga não era muito acessível, e houve uma estratégia para que os usuários de outros entorpecentes experimentassem crack. Eles esgotaram as demais drogas do mercado e foram ofertando a novidade. Já na metade da década, o consumo era expressivo", disse.
Embora não tão visível, o problema também se multiplica nos bairros periféricos. Viciados relatam que é possível encontrar a droga em cada esquina. Especialistas de saúde dizem que o consumo do crack invariavelmente vem depois do consumo de outras drogas. As portas de entrada mais comuns são o álcool, a maconha e a cocaína.
Segundo o pesquisador, algo que chama a atenção é que o preço da droga se manteve praticamente estável nestes 20 anos. O que caiu foi a qualidade do produto. "A pedra que se vendia há 20 anos não tem quase nada a ver com o que se vende hoje. Antigamente, era uma pedra cor de café com leite. Hoje, o que se vende é algo que tem tanta mistura, tanto bicarbonato, que parece uma pipoca no cachimbo. Depois de acesa, ela cresce e forma uma espuma".
A avaliação é que a droga de hoje é mais danosa que no passado. A sensação relatada por usuários, de prazer e desconexão, deixou de existir, de acordo com o pesquisador. "Hoje, se fuma e não se sente mais isso. Já cai direto no aspecto negativo, na necessidade de se fumar mais. Muitos usuários nem veem mais a pedra. Comparam pedaços de papel alumínio com farelo", diz.
RotinaO comerciante Rogério de Souza, 44 anos, convive diariamente com os usuários da região da cracolândia. Diz que a situação vivida hoje é um "deboche". Proprietário de um açougue, diz ter perdido muitos clientes com o problema. "Hoje, quem compra aqui são os moradores dos arredores. Quem é de fora não se arrisca a vir."
Há 16 anos no local, ele disse ter visto a transição da região. Antes, marcada por prostituição e trombadões que agiam no centro, hoje é tomada por viciados. "Os ladrões acabaram presos ou mortos. Com a chegada do crack, até mesmo as prostitutas se afastaram. O que era antes a 'Boca do Lixo', hoje é isso que se vê aqui. Uma legião de zumbis, que passam dia e noite em função da pedra. Pela manhã é uma sujeira imensa que sobra. E todo o dia a 'festa' recomeça."
A coordenadora de Saúde Mental do Município de São Paulo, Rosângela Elias, afirma que o tratamento dos viciados em crack é difícil, principalmente porque a droga está sempre associada a outras. "Há muitas recaídas, mas o que propomos é um tratamento que passa pelo usuário, com a inclusão da família no processo, e a reinserção na sociedade. É uma história longa, mas gratificante", diz.
Usuário de crack há 16 anos, o desempregado S.M.A., 35 anos, está em tratamento há mais de um ano e chegou a cumprir mais de seis anos de pena por dois assaltos realizados para sustentar o vício. No dia da entrevista, confessou que havia utilizado a droga nas últimas 24 horas. "É muito difícil sair. Isso (o crack) vai te matando. É só sair na rua que dá vontade de usar", afirma.
Combate ao crack
Na última quarta-feira, as autoridades do Estado e do município anunciaram um plano de ação que envolve profissionais ligados aos setores de saúde e assistência social, acompanhados pelo Ministério Público, a Vara da Infância e Juventude e os conselhos turelares, entre outros.
A ideia é diminuir a incidência do uso de drogas na região, oferecendo tratamento psiquiátrico e atividades complementares para esses usuários. No histórico destes 20 anos, sempre se falou, em tese, sobre o que precisaria ser feito. Tentativas foram feitas, mas fracassaram. Há dois anos, o prefeito de São Paulo Gilberto Kassab (DEM) chegou a anunciar o fim da cracolândia, com o anúncio do projeto Nova Luz. Em pouco tempo ela voltou mais forte, após se deslocar apenas alguns quarteirões.
Nesta sexta-feira, a história de três usuários de crack que, em tratamento, lutam para deixar a droga.
Vagner Magalhães
Fonte: Redação Terra
A partir desta quinta-feira, o Terra inicia uma série de reportagens sobre os impactos causados pelo crack nos últimos 20 anos. Para discutir formas de reduzir ou acabar o tráfico e a dependência da droga, foram ouvidas autoridades públicas, médicos, usuários, pesquisadores, comerciantes e policiais. A série de reportagens será acompanhada de um ensaio fotográfico feito pelo repórter Reinaldo Marques, que passou uma noite na região para registrar o cotidiano dos usuários.
A droga passou a ser produzida na própria cidade de São Paulo, em pequenos laboratórios improvisados. Dois fatores pesaram essencialmente a sua difusão. O crack torna a pessoa mais dependente, o que resulta em um consumo maior. Vendida em pequenas pedras, é mais lucrativa que a cocaína.
Para o vício do crack atingir o índice atual, os traficantes montaram uma "estratégia de mercado" no início dos anos 90, conforme explica o pesquisador Lúcio Garcia de Oliveira, que defendeu tese de doutorado sobre o assunto na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). "No início dos anos 90, a droga não era muito acessível, e houve uma estratégia para que os usuários de outros entorpecentes experimentassem crack. Eles esgotaram as demais drogas do mercado e foram ofertando a novidade. Já na metade da década, o consumo era expressivo", disse.
Embora não tão visível, o problema também se multiplica nos bairros periféricos. Viciados relatam que é possível encontrar a droga em cada esquina. Especialistas de saúde dizem que o consumo do crack invariavelmente vem depois do consumo de outras drogas. As portas de entrada mais comuns são o álcool, a maconha e a cocaína.
Segundo o pesquisador, algo que chama a atenção é que o preço da droga se manteve praticamente estável nestes 20 anos. O que caiu foi a qualidade do produto. "A pedra que se vendia há 20 anos não tem quase nada a ver com o que se vende hoje. Antigamente, era uma pedra cor de café com leite. Hoje, o que se vende é algo que tem tanta mistura, tanto bicarbonato, que parece uma pipoca no cachimbo. Depois de acesa, ela cresce e forma uma espuma".
A avaliação é que a droga de hoje é mais danosa que no passado. A sensação relatada por usuários, de prazer e desconexão, deixou de existir, de acordo com o pesquisador. "Hoje, se fuma e não se sente mais isso. Já cai direto no aspecto negativo, na necessidade de se fumar mais. Muitos usuários nem veem mais a pedra. Comparam pedaços de papel alumínio com farelo", diz.
RotinaO comerciante Rogério de Souza, 44 anos, convive diariamente com os usuários da região da cracolândia. Diz que a situação vivida hoje é um "deboche". Proprietário de um açougue, diz ter perdido muitos clientes com o problema. "Hoje, quem compra aqui são os moradores dos arredores. Quem é de fora não se arrisca a vir."
Há 16 anos no local, ele disse ter visto a transição da região. Antes, marcada por prostituição e trombadões que agiam no centro, hoje é tomada por viciados. "Os ladrões acabaram presos ou mortos. Com a chegada do crack, até mesmo as prostitutas se afastaram. O que era antes a 'Boca do Lixo', hoje é isso que se vê aqui. Uma legião de zumbis, que passam dia e noite em função da pedra. Pela manhã é uma sujeira imensa que sobra. E todo o dia a 'festa' recomeça."
A coordenadora de Saúde Mental do Município de São Paulo, Rosângela Elias, afirma que o tratamento dos viciados em crack é difícil, principalmente porque a droga está sempre associada a outras. "Há muitas recaídas, mas o que propomos é um tratamento que passa pelo usuário, com a inclusão da família no processo, e a reinserção na sociedade. É uma história longa, mas gratificante", diz.
Usuário de crack há 16 anos, o desempregado S.M.A., 35 anos, está em tratamento há mais de um ano e chegou a cumprir mais de seis anos de pena por dois assaltos realizados para sustentar o vício. No dia da entrevista, confessou que havia utilizado a droga nas últimas 24 horas. "É muito difícil sair. Isso (o crack) vai te matando. É só sair na rua que dá vontade de usar", afirma.
Combate ao crack
Na última quarta-feira, as autoridades do Estado e do município anunciaram um plano de ação que envolve profissionais ligados aos setores de saúde e assistência social, acompanhados pelo Ministério Público, a Vara da Infância e Juventude e os conselhos turelares, entre outros.
A ideia é diminuir a incidência do uso de drogas na região, oferecendo tratamento psiquiátrico e atividades complementares para esses usuários. No histórico destes 20 anos, sempre se falou, em tese, sobre o que precisaria ser feito. Tentativas foram feitas, mas fracassaram. Há dois anos, o prefeito de São Paulo Gilberto Kassab (DEM) chegou a anunciar o fim da cracolândia, com o anúncio do projeto Nova Luz. Em pouco tempo ela voltou mais forte, após se deslocar apenas alguns quarteirões.
Nesta sexta-feira, a história de três usuários de crack que, em tratamento, lutam para deixar a droga.
Vagner Magalhães
Fonte: Redação Terra